Centro da revolução tecnológica, São Francisco bane o uso de reconhecimento facial pelo governo



Centro da revolução tecnológica, São Francisco bane o uso de reconhecimento facial pelo governo

 

No coração da revolução tecnológica mundial, São Francisco tomou uma posição contra possíveis abusos ao se tornar ao proibir o uso de softwares de reconhecimento facial pela polícia e outras agências de governo. Aprovado por 8 a 1 no Conselho de Supervisores municipal, o veto fez da cidade o primeiro grande centro americano a bloquear a ferramenta que muitas forças de segurança têm adotado em busca de suspeitos criminosos e possíveis autores de ataques em massa.

As autoridades usaram a tecnologia para ajudar a identificar o suspeito no ataque armado em um jornal de Annapolis, Maryland, em junho passado. Mas grupos de liberdades civis expressaram incômodo com o potencial uso abusivo da tecnologia por parte do governo, em meio a temores de que isso poderia empurrar os Estados Unidos na direção de um estado de vigilância excessivamente opressivo.

Aaron Peskin, o supervisor municipal que levou à frente a lei, disse que o veto enviou uma mensagem particularmente forte à nação, sobretudo por ter vindo de uma cidade transformada pela tecnologia.

"Eu acho que parte de San Francisco ser a sede real de todas as coisas de tecnologia também impõe com uma responsabilidade para seus legisladores locais", disse Peskin. "Temos uma responsabilidade desproporcional de regular os excessos da tecnologia, porque eles estão sediados aqui".

Policiais defendem ferramenta
Críticos da iniciativa municipal apontaram que, em vez de se concentrar na proibição, a cidade deveria encontrar formas de regulamentar a ferramenta, em reconhecimento à utilidade do reconhecimento facial.

"É ridículo negar o valor dessa tecnologia na segurança de aeroportos e instalações de fronteira", disse Jonathan Turley, especialista em direito constitucional da Universidade George Washington. 'É difícil negar que existe um valor de segurança pública para esta tecnologia".

Haverá uma segunda votação obrigatória do tema na próxima semana, mas é vista como mera formalidade.

Proibições similares são avaliadas em Oakland, na Califórnia, e em Somerville, em Massachusetts. Neste último estado, um projeto de lei no Legislativo estadual propõe suspender o reconhecimento facial e outros sistemas de vigilância remotos por biometria.

No Capitólio, um projeto de lei apresentado no mês passado propõe proibir os usuários de tecnologia comercial de reconhecimento facial de coletar e compartilhar dados para identificar ou rastrear consumidores sem o seu consentimento, embora não se refira aos usos da tecnologia pelo governo.

Matt Cagle, advogado da ONG União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), do norte da Califórnia, resumiu na terça-feira as amplas preocupações do reconhecimento facial: a tecnologia, segundo ele, "fornece ao governo um poder sem precedentes para rastrear as pessoas que vivem em seu dia a dia".

"Isso é incompatível com uma democracia saudável", criticou.

Risco China
A discussão sobre o reconhecimento facial em São Francisco é, em grande parte, teórica. O Departamento de Polícia da cidade atualmente não emprega essa tecnologia. Ela só é usada no aeroporto internacional e em portos que estão sob jurisdição federal e não são afetados pela nova legislação. Alguns abrigos para moradores de rua usam imagens biométricas e fotos para rastrear o uso destes centros, o que levou pessoas em situação de rua para longe deles, segundo a diretora-executiva da Coalition on Homelessness, Jennifer Friedenbach.

A cidade tem extenso histórico de debate sobre liberdades individuais, mas tem sofrido recentemente com o aumento dos altos índices de crimes contra a propriedade. O veto municipal proíbe as agências do governo de usar o reconhecimento facial e recolher informações de sistemas externos que nele se apoiam. Há possíveis exceções, como uma espécie de passe-livre para procuradores que comprovem haver risco de interferência dos requerimentos de transparência em suas investigações.

Ainda assim, a Associação de Policiais de São Francisco, um sindicato dos agentes, disse que a proibição prejudicaria os esforços de seus membros para investigar o crime.

"Embora entendamos que ainda não é uma tecnologia 100% precisa, ela ainda está evoluindo", disse Tony Montoya, presidente da associação. "Eu acho que tem sido bem sucedido em pelo menos fornecer pistas para os investigadores criminais".

Mas Dave Maass, pesquisador da Electronic Frontier Foundation, ofereceu uma lista parcial dos departamentos de polícia que, segundo ele, usaram a tecnologia, incluindo Las Vegas; San Diego: Nova York; Boston; Detroit; Durham, Carolina do Norte; Orlando Flórida; e São José, Califórnia. Outros usuários, disse Maass, incluem o Departamento de Segurança Pública do Colorado, o Gabinete do Xerife do Condado de Pinellas, na Flórida, o Departamento de Justiça da Califórnia e a Polícia do Estado da Virgínia.

Alguns especialistas temem que os avanços tecnológicos superem a capacidade do governo de estabelecer proteções à privacidade. Cagle, da ACLU, e outros disseram que o pior cenário já existe na China, onde o reconhecimento facial é usado para vigiar os uigures, uma minoria majoritariamente muçulmana, e tem sido integrada a um sistema nacional alimentado por cerca de 200 milhões de câmeras de vigilância. No ano passado, Bradford L. Smith, presidente da Microsoft, alertou que a tecnologia era muito arriscada para as empresas operarem sozinhas e pediu ao Congresso para supervisionar seu uso.


Fonte: Época Negócios